Yuri Silva Lima
Graduando em Direito
Aluno-pesquisador do GPCom
Após um período de duas décadas, marcadas pelo caráter autoritário decorrente do militarismo, a Constituição Federal de 1988 foi ovacionada, desde sua promulgação, em diversos segmentos sociais como um ponto referencial e histórico para o renascimento da democracia brasileira. Desde o seu processo de elaboração, o texto da nova carta conta com maior abertura para a liberdade partidária, associação civil e imprensa, inovação nos dispositivos jurídicos e, também, no reconhecimento de direitos e participação política, dentro da vastidão de significados que o termo pode apresentar (SILVA, 2018).
O regime democrático brasileiro, de fato, afirma que o poder emana do povo, porém, esse exercício é realizado, em sua maioria, pelas instituições públicas e seus representantes eleitos pelo povo. As instituições realizam um papel de integração na sociedade, visto que viabilizam a vivência em coletividade. É através delas que se formalizam regras, procedimentos e se alinham os valores que suportam um regime democrático, assim, espera-se que as instituições reflitam os interesses e anseios sociais e cumpram com os objetivos para as quais foram criadas (RUSSO, AZZI e FAVERI, 2018). Todavia, diversos fatores podem influenciar na mudança de percepção quanto a credibilidade das instituições públicas. Quando estas se afastam das expectativas dos cidadãos ou se envolvem em grandes escândalos de fraudes, corrupção, lavagem e desvio de verbas públicas, além do descrédito, o descontentamento decorrente estimula até o processo de desconfiança da eficácia do próprio regime democrático.
Nesse quadro, diversas são as pesquisas e fontes, que informam baixos índices de confiança da sociedade brasileira em relação as instituições públicas, principalmente, ao comprar o judiciário e as casas legislativas, por exemplo, a Polícia Federal e as Forças Armadas. Ganhando destaque, a anuência dos entrevistados para a justificação de um golpe militar quando há ‘muito crime’ ou ‘muita corrupção’ (INSTITUTO DA DEMOCRACIA, 2018). Então, é compreensível entender o sucesso do regime democrático nacional com grande parcela de influência das instituições que, por vezes, estão como figuras representantes. Ora, se não há confiança naqueles entes que deveriam manter um comportamento modelo, todo o pensamento democrático do país, promulgado pela Constituição, seus princípios e valores, se esvai. Diante disso, esse trabalho faz uma análise do compliance público e suas possibilidades de restauração da confiança social nas instituições através da exploração bibliográfica, apresentando a estratégia do Programa de Integridade adotado pela Procuradoria Geral do Estado do Paraná.
A pertinência de temática decorre da perspectiva normativa, com a introdução de legislação específica para o combate a corrupção, como a Lei n.º 12.846, de 2013, conhecida por Lei Anticorrupção; normas que recentemente tratam da integridade e condutas esperadas na Administração Pública e execução de suas atividades, como a Portaria n.° 1.089, de 2018, da Controladoria Geral da União, que estabelece a adoção de procedimentos para estruturação, execução e monitoramento de programas de integridade nas entidades públicas; na necessidade do licitante haver programa de compliance para participar dos certames licitatórios públicos, em casos específicos, previstos pela novíssima Lei n.° 14.133, de 2021; e, de forma específica para essa análise, a legislação estadual do Paraná que institui o Programa Integridade e Compliance da Administração Estadual, através da Lei n.° 19.857/2019 e Decreto Estadual (PR) n.° 2.902, 2019. Além desse viés, os estudos e posicionamentos sobre compliance, tanto na esfera pública quanto privada, ganham adeptos, pesquisadores e teóricos otimistas no processo de aculturação das instituições para a integridade, convidando a sociedade a participar dos processos decisórios, controle e fiscalização das entidades, trazendo mais transparência e, consequentemente, mais confiança.
Na esfera pública, recorte de análise desse trabalho, o compliance poderia ser delineado enquanto um programa normativo de integridade ou conformidade construído pelos órgãos ou entidades componentes da Administração Pública que, conglobando diversos mecanismos e procedimentos internos, teria como propósito a promoção eficaz, eficiente das análises e a gestão de riscos que auxilie na implementação, monitoramento e execução de políticas públicas. Também, buscaria estimular a comunicação interna, amenizando seus ruídos, promover a interação ordenada entre órgãos e entidades da Administração Pública, desencadeando maior controle dos processos, segurança e transparência das informações e, por assim pensar, fomentar a conduta de contrariedade a irregularidades sendo que, cada servidor, se sentiria responsável por cuidar do seu campo de influência no controle à corrupção, fraude e outros ilícitos, focando no resultado eficiente. Assim, maximizando o bem-estar social, o cumprimento dos princípios e premissas fundantes da atividade pública e a concretização de direitos fundamentais, sobretudo os de natureza social (MESQUITA, 2019).
Em suma, embora seja árdua tarefa esboçar um conceito fechado para compliance, ou para o status de estar em conformidade, a essência da prática é agir visando a melhor execução de leis, normas e regulamentos, mas, compreendendo que princípios, valores morais e éticos serão sempre a noção subjetiva guia do processo. O trabalho da conformidade, além de elaborar códigos de éticas, pauta-se no processo de aculturação no firmamento de um ambiente público sadio o suficiente e capaz de impulsionar um animus geral de cuidado, boas práticas e espírito de dono. Assim, o desenvolvimento desse arcabouço de ações, objetivas e subjetivas, preservando a probidade no trato institucional e a relação de confiança, é que se torna imprescindível para a preservação, ou restauração, de uma boa imagem e reputação de um órgão ou entidade pública (ISHIKAWA e MACIEL, 2020).
Encabeçando o movimento de consistência na implementação de um programa de compliance e sendo referência nacional sobre as medidas e ações realizadas, através da já mencionada Lei n.º 19.857, de maio de 2019, foi instituído o Programa de Integridade e Compliance da Administração Pública Estadual do Paraná. Esse programa objetiva adotar princípios éticos e normas de conduta, como certificar seu cumprimento; firmar medidas de prevenção a possíveis desvios na entrega dos resultados; estimular o processo de aculturação de controle interno, observância e cumprimento das normas e a transparências das políticas públicas; melhorar o sistemas de gestão, controle de risco e o monitoramento pela Administração Pública Estadual, dentre outros. Para tanto, o programa é estruturado em três vertentes: i) prevenção: mediando e instruindo para que ações não integras sejam desestimuladas; ii) detecção: abertura de canais, procedimentos e controle das ações realizadas e os resultados obtidos; iii) resposta: soluções de diversas espécies, normalmente pré-definidas, para, com agilidade e eficiência, remediar os problemas necessários.
Todo o procedimento de ação é regulamentado pelo Decreto Estadual (PR) n.° 2.902, de 2019, e vertentes acima descritas são consolidadas por pilares dispostos no art. 4º, I a X, do Decreto, quais sejam: suporte da alta administração, avaliação de riscos, código de ética e conduta, controles internos, transparência e controle social, treinamento e comunicação, canal de denúncia, investigações internas, due diligence, enquanto política de relacionamento com terceiros, autoria e monitoramento (PARANÁ, 2019).
Em todos os mecanismos para a implementação do programa, a transparência e a convite à população para participar e acompanhar as atividades ganham destaque, garantindo maior confiabilidade no processo e resultando no aumento de credibilidade das instituições públicas paranaenses que implementaram o compliance nas suas práticas. Ademais, interessante destacar o reconhecimento premiado do Controlador-Geral do Estado, Dr. Raul Siqueira, no 1.º Prêmio de Compliance Across Americas, em 2019, pela sua iniciativa e desenvolvimento do sistema de promoção da ética e integridade no Paraná (PARANÁ, 2019). Esse reconhecimento figura como suspiro importante para àqueles que batalham ao lado da integridade dia a dia.
Por todo o explorado, é cediço que as instituições públicas são elementos indispensáveis para a manutenção do Estado Democrático de Direito e o bom funcionamento da vida coletiva no Brasil. Assim sendo, descreditar sua função e pertinência para a manutenção da sistemática organizacional do país pode figurar um risco para o próprio regime democrático. Todavia, percebe-se que há um distanciamento e uma nuvem de desconfiança pairando sobre diversos órgãos e entidades públicas decorrente dos escândalos envolvendo fraudes, esquemas de corrupção, desvio de verbas públicas e do afastamento das intenções objetivadas pelo povo. Ciente disso, o compliance e toda a sua configuração de mudança de cultura pode, a curto passos, ser um recurso de grande potencial na recuperação do descrédito instaurado sob nossas instituições, visto que um programa de compliance bem planejado e executado pode alterar significativamente a dinâmica do funcionamento público através da prevenção, detecção e resposta aos ilícitos, permitindo maior transparência e estimulando a sociedade para uma posição de protagonismo e participação. Assim, o Estado do Paraná, frente a tantas ações e programas elaborados, torna-se uma referência para que outros Estados comecem a implementar o compliance em suas realidades, mitigando o descrédito popular, reforçando o potencial democrático das entidades e órgãos nacionais para a democracia.
REFERÊNCIAS
INSTITUTO DA DEMOCRACRIA E DA DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO. A cara da democracia. [online]. 2018. Disponível em: <https://www.institutodademocracia.org/single-post/a-cara-da-democracia-brasileiros-mostram-situcoes-que-seria-justificavel-golpe-militar> Acesso: 10 de maio de 2021.
ISHIKAWA, Lauro; MACIEL, Moises. A contabilidade e o Compliance como instrumentos necessários para o combate à corrupção e à boa governança. In: Revista Ministério Público de Contas do Paraná. V.7. N.º.13. Ano VIII. Nov. maio. Curitiba: Centro de Estudos, 2020. Disponível em: <<https://revista.mpc.pr.gov.br/index.php/RMPCPR/article/view/11> Acesso: 19 de maio de 2021.
MESQUITA, Camila Bidilatti Carli de. O que é compliance público? Partindo para uma Teoria Jurídica da Regulação a partir da Portaria n.º 1.089 (25 de abril de 2018) da Controladoria-Geral da União (CGU). In: Revista de Direito Setorial e Regulatório. V. 5. N.º 1. Brasília: Universidade de Brasília, 2019, p. 147-182. Disponível em: <https://periodicos.unb.br/index.php/rdsr/article/download/20587/21695/47023> Acesso em: 12 de maio de 2021.
PARANÁ. Controlador-Geral do Governo do Paraná vence prêmio nacional de Compliance. In: Agência de notícias do Paraná. Curitiba: CGE, 2019. Disponível em: <http://www.aen.pr.gov.br/modules/debaser/visualizar.php?audiovideo=1&xfid=8394> Acesso: 19 de maio de 2021.
PARANÁ. Decreto Estadual (PR) n.° 2.902, de 01 de outubro de 2019. Regulamenta a Lei nº 19.857, de 29 de maio de 2019, que instituiu o Programa de Integridade e Compliance da Administração Pública Estadual. Disponível em: <https://www.legiscompliance.com.br/legislacao/norma/269> Acesso: 19 de maio de 2021.
PARANÁ. Lei n° 19.857, de 29 de maio de 2019. Institui o Programa de Integridade e Compliance da Administração Pública Estadual e dá outras providências. Disponível em: <https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=220833&indice=1&totalRegistros=1> Acesso: 19 de maio de 2021.
RUSSO, Guilherme A.; AZZI, Roberta Gurgel; FAVERI, Charleni. Confiança nas instituições políticas: diferenças e interdependência nas opiniões de jovens e população brasileira. In: Revista Opinião Pública. Vol. 24. N.º 02. Mai-ago. Campinas: Editora, 2018, p.365-404. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/op/v24n2/1807-0191-op-24-2-0365.pdf> Acesso: 10 de maio de 2021.
SILVA, Sandro Pereira. Democracia, políticas públicas e instituições de deliberação participativa: visões sobre a experiência brasileira. In: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 1990. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8252/1/TD_2358.pdf> Acesso: 10 de maio de 2021.