Fillipe Azevedo Rodrigues
Professor
Doutor em Educação e Mestre em Direito
Faixa Branca de Jiu-Jitu, Quarto Grau (GB Natal)
Pesquisador do GPCom

Liliana Santo de Azevedo Rodrigues
Fundadora e Presidente da Educompliance
Professora e Mestre em Direito
Faixa Branca de Jiu-Jitu, Quarto Grau (GB Natal)
Líder do GPCom

“Jiu-jitsu para todos” é o lema da maior escola da Jiu-Jitsu no mundo.[1] Liderada por Carlos Gracie Jr., a Gracie Barra tem suas raízes no já falecido mestre Carlos Gracie, o primeiro entre seus irmãos a ter contato com a arte marcial de origem japonesa, por intermédio do mestre de Ju-Jutsu (nomenclatura japonesa tradicional) Mitsuyo Maeda – ou Conde Koma.

A escolha desse lema revela muito sobre a evolução da arte marcial que, ao longo dos anos, ganhou o mundo a partir do Brasil com os esforços dos mestres Carlos, Hélio e de tantos outros brasileiros e estrangeiros. 

Esses novos pioneiros iniciaram no Jiu-Jitsu numa época em que as artes japonesas mais difundidas no ocidente eram o Karatê e o Judô, esta última uma derivação com propósito mais esportivo do Ju-Jutsu tradicional, desenvolvida por Jigoro Kano ainda no século XIX.[2]

O Jiu-Jitsu do Conde Koma, reproduzido e desenvolvido pelos Gracie, era mais voltado para o combate real e, portanto, dava ênfase às técnicas capazes de infligir sérias lesões no oponente, eliminando com rapidez a agressão.

Essa eficiência criou, a um só tempo, a notoriedade da arte marcial e o estigma sobre seus praticantes, afinal, para fazê-la conhecida e respeitada (ou temida), desafiavam praticantes e professores de outras modalidades, tanto em grandes eventos de luta quanto nas visitas entre academias rivais e de outras artes, sobretudo no Brasil e nos Estados Unidos da América.

Esse foi o enredo do agora conhecido Jiu-Jitsu Brasileiro ou Brazilian Jiu-Jitsu (BJJ) ao longo do século XX.

No entanto, em paralelo às disputas sem regras ou aos torneios de “vale-tudo”, a diversidade de praticantes e escolas aumentou bastante, atraindo muitos novos alunos a cada nova academia aberta por todo país.

Esse crescimento, de certo modo desordenado, despertou em muitos praticantes e professores o desejo de criar uma identidade para o Jiu-Jitsu – agora presente em todo mundo –, sem, entretanto, perder a essência de diversidade e criatividade que fez com que os ensinamentos do Conde Koma produzissem, no Brasil, uma arte marcial dinâmica, criativa e sem limite para inovação quanto às técnicas de luta.

Outro detalhe não menos importante era dissociar a imagem do Jiu-Jitsu da violência em si. O próprio Koma “encarava o jiu-jitsu como uma arma poderosa, que, se caísse em mãos erradas, poderia tornar-se extremamente perigosa”. Essa foi a razão de, “além da técnica, passar ao aluno Carlos Gracie um senso de responsabilidade para que fizesse bom uso dos ensinamentos que recebia”.[3]

A missão, portanto, era retornar à essência de disciplina, voltar-se para os valores de respeito, autoconhecimento e autossuperação, formando o ser humano antes do lutador.

A reputação do Jiu-Jitsu brasileiro começou a passar por uma transformação quando as academias e seus integrantes perceberam a necessidade de (i) organizar e observar um sistema comum de graduações (evolução nas faixas a partir do mérito e da dedicação do aluno), (ii) estabelecer regras mínimas para competições do esporte Jiu-Jitsu e (iii) iniciar a estruturação de federações que integrem as escolas existentes pelo mundo.[4]

O propósito de “arte suave”, ensinar o mais fraco a defender-se do mais forte, voltou à tona. A reputação de violência cedeu lugar à reputação de técnica e eficiência como defesa pessoal, permeadas de valores de integridade, antes negligenciados.

Esse processo partiu dos próprios praticantes em um verdadeiro processo de autorregulação, identificado, por exemplo, nos valores e princípios da Gracie Barra:[5]

ValoresPrincípiosLema
IrmandadeColocar o bem-estar do grupo acima de interesses individuais. Ser tolerante e tratar as pessoas como uma extensão de sua família.Organizados como um time, lutando como uma família.
IntegridadePensar no longo prazo e preparar o futuro das novas gerações. Honrar os nossos antecessores e tradições.Mantendo o legado vivo.
DesenvolvimentoPassar adiante os benefícios do Jiu-Jitsu. Promover e expandir o Jiu-Jitsu.Jiu-Jitsu para todos.

A autorregulação é, a um só tempo, a premissa e o objeto do Compliance, cujo conceito consiste em um conjunto de estratégias e ferramentas de gerenciamento de riscos eficientes, possuindo os seguintes pilares: integridade, gestão de riscos e crises, prevenção e mitigação de danos às instituições, empresas ou demais organizações públicas e privadas.

Sem necessariamente estar difundido no meio do Jiu-Jitsu, é perceptível que importantes escolas têm se preocupado em prevenir danos e desenvolver sua reputação, bem como vêm adotando estratégias de gestão com caráter mais profissional, tudo em prol do desenvolvimento e sustentabilidade das academias e da própria arte suave.

O primeiro passo costuma ser sair da informalidade e constituir um negócio que atenda às exigências da legislação fiscal, urbanística e do próprio desporto. Esse processo, sem dúvida, foi acelerado com a crise sanitária decorrente da Pandemia de Covid-19, afinal muitas regras de prevenção ao contágio foram direcionadas para as academias de atividade física em geral e, não diferente, de artes marciais.[6]

Apresentar um ambiente seguro sob os mais diversos aspectos e, sobretudo, para a saúde dos alunos e professores tornou-se uma exigência indispensável para que as atividades pudessem continuar durante a situação de emergência sanitária.

A unidade da Gracie Barra de Casa Forte (GB Casa Forte), na cidade do Recife, promoveu uma campanha de iniciativa própria, oferecendo descontos para novos e antigos alunos que completaram o quadro vacinal contra Covid-19.[7] Essa é uma estratégia louvável do ponto de vista do Compliance, porquanto (i) percebe o risco da atividade (preservação da saúde dos alunos) e do negócio (redução de alunos matriculados), (ii) associa-se com uma pauta de interesse público (retorno seguro das atividades econômicas e desportivas) e (iii) inova apresentando uma solução em que todos ganham: a academia, o jiu-jitsu e a sociedade.

Todos os pilares do Compliance estão presentes nessa iniciativa. A campanha de incentivo vacinal não precisou de uma norma impositiva do Poder Público, demonstrando integridade; apresentou uma solução segura para a manutenção das aulas, isto é, gerenciamento de riscos e de crise; e reduziu o risco de contágio na academia, prevenção e mitigação de danos.

Um analista em Compliance é capaz de identificar, aperfeiçoar e difundir boas práticas como essa da GB Casa Forte, bem como propor novas estratégias para a organização associar sua marca a uma representação de confiabilidade e integridade.

Assim, cumpre trazer algumas ideias iniciais de conformidade para os profissionais e professores do Jiu-Jitsu, a quem se deve honra pelo tanto já realizado em prol da arte japonesa, reinventada em kimonos brasileiros.

O mote é fazer o “Jiu-Jitsu para todos”, conforme dito no primeiro parágrafo. Um bom exemplo de partida está no público feminino, indispensável para alcançar esse objetivo.

Turmas mistas e exclusivamente para mulheres devem coexistir, no entanto isso não desfaz de imediato a predominância masculina entre praticantes e professores.

Por isso, a existência de uma ouvidoria nas academias é um diferencial na direção de um ambiente mais seguro para mulheres e demais praticantes.

Não é preciso grandes investimentos para isso. Uma urna de sugestões e reclamações atende ao propósito, devendo ser instalada em ponto estratégico das dependências da academia e levada a sério por seus responsáveis. O encarte para depositar precisa ser objetivo, mas com espaço tanto para elogios, quanto para sugestões, críticas e denúncia de algo de maior gravidade. A preservação do anonimato deve ser garantida e, nos tempos atuais, é indispensável divulgar um QR Code para o mesmo fim, isto é, um formulário eletrônico com as mesmas opções para que os alunos e colaboradores possam dar sua contribuição remotamente.

Algo importante é consultar um especialista em Compliance para implantar essa estratégia e, se for o caso, deixar sob sua responsabilidade e isenção o tratamento dos dados coletados a fim de que possam ser apresentados à gestão da academia, na abordagem de gerenciamento de riscos e prevenção de danos.

Outra prática interessante é voltada para o público de crianças e adolescentes.

Analistas de Compliance também especializados em educação e formação de pessoas podem auxiliar as academias na realização de encontros periódicos entre pais e professores, construindo uma campanha de aproximação da família do aluno com a família do Jiu-Jitsu – vide o primeiro lema da Gracie Barra, organizados como um time, lutando como uma família.

A iniciativa deve ter a cara da arte marcial, convidando os pais e responsáveis dos alunos para, por exemplo, uma aula experimental de defesa pessoal e, após, uma conversa aberta no tatame, com muita troca de experiências e interação sobre a formação do jovem, do atleta e do ser humano.

Ambas as estratégias apresentadas se sustentam nos pilares da conformidade nas organizações e, se aplicadas, podem fazer do Jiu-Jitsu Brasileiro um espelho para outras artes marciais e atividades esportivas.

Tal como valeu a penar saber mais sobre a arte suave, um estilo de vida essencial para a saúde e o bem-estar, conheçam mais sobre Compliance, uma ferramenta apta a transformar as organizações (públicas e privadas) em verdadeiros agentes de promoção da ética e do bem comum.

Oss!


[1] A “Gracie Barra é uma comunidade mundial de instrutores, estudantes e atletas do Jiu-Jitsu. Nossa organização é constituída por mais de 700 escolas em seis continentes”. (Fonte: https://graciebarra.com.br/. Acesso em: 16 set. 2021).

[2] “O que Carlos [Gracie] aprendeu com o Conde Koma já não era o jiu-jitsu tradicional do Japão; sendo Koma um lutador de carreira internacional, seu jiu-jitsu não era teórico, como aquele praticado no Japão pelos samurais decadentes nas últimas décadas do xogunato Tokugawa nem pela própria Kodokan de Jigoro Kano, que modificara as regras da luta para torná-la cada vez mais esportiva. […]. O jiu-jitsu de Koma não incluía o Kata, a ‘prática da forma’, treino em que o lutador precisa sozinho, ensaiando os movimentos de uma luta imaginária, muito comum nas academias de judô, e nem torções de pulso ineficientes. Ensinava estrangulamento, chaves de braço e outros golpes de finalização para levar o adversário a uma derrota definitiva. Por conta disso, o jiu-jitsu no Brasil ficou mais próximo da realidade de uma luta, tornando-se mais eficiente do que aquele ensinado na Europa e nos Estados Unidos por japoneses que deixaram o Japão”. (GRACIE, Reila. Carlos Gracie: o criador de uma dinastia. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 40).

[3] GRACIE, Reila. Carlos Gracie: o criador de uma dinastia. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 40.

[4] Vale a pena conferir o portal da Federação Internacional de Jiu-Jitsu Brasileiro (IBJJF): https://ibjjf.com/ (Acesso em: 17 set. 2021).

[5] Fonte: https://graciebarra.com.br/sobre/#gb_values. Acesso em: 16 set. 2021.

[6] Em Natal, a Lei Municipal n.º 7.125, de 19 de janeiro de 2021, reconheceu as academias de artes marciais como serviços essenciais à saúde pública, cuja interrupção das atividades implicaria em um dano maior do que sua operação, mesmo com restrições sanitárias.

[7] “gbcasaforte – Vacinado, chegou sua hora de voltar!!! É com muito orgulho que renovamos a campanha 10% OFF na mensalidade e compra do uniforme GB para todos os vacinados contra a COVID-19 que possuem interesse em treinar JIU-JITSU com a melhor equipe do mundo!!! Para ter direito ao desconto é necessário ficar atento às seguintes regras: É necessário apresentar o CERTIFICADO DE VACINAÇÃO; Promoção válida para NOVOS CONTRATOS e ALUNOS INATIVOS há no mínimo 3 meses. Essa promoção é válida por tempo limitado, então CORREEE‼️”. (Fonte: https://www.instagram.com/tv/CTXm36hpHPK/?utm_source=ig_web_copy_link. Acesso em: 16 set. 2021).

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Liliana Santo

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