Liliana Santo de Azevedo Rodrigues
Consultora em Compliance, Professora, Advogada
Doutoranda em Ciências Jurídico-Criminais
Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais

Em 1990, após a publicação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas (1988), foram publicadas as Recomendações do Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro – GAFI – sobre lavagem de dinheiro, tema de especial importância para a aplicação dos programas de compliance. Aliás, a década de 90 foi relevante nessa matéria, com a aprovação pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) do Regulamento Modelo sobre Delitos e de Lavagem de Dinheiro Relacionados com o Tráfico Ilícito de Drogas e Outros Delitos Graves e da Convenção Interamericana contra a Corrupção. Esta última, promulgada no Brasil pelo Decreto Presidencial n.º 4.410 , de 7 de outubro de 2002, prevê que os países signatários façam uma adaptação da sua legislação interna, considerem a adoção de medidas preventivas para o combate à corrupção, entre as quais: i) definição de normas de conduta para um exercício íntegro das funções públicas; ii) criação de mecanismos que assegurem o cumprimento das normas; iii) fortalecimento dos órgãos de controle do Estado; iv) instituição de sistemas de arrecadação fiscais que impeçam ou dificultem a prática da corrupção; e v) estimular a participação da sociedade civil na prevenção da corrupção[1].  Também foi criada a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Convenção da OCDE), promulgada no Brasil pelo Decreto n.º 3.678, de 30 de novembro de 2000, que sujeita às suas proibições antissuborno, no relacionamento com um funcionário público estrangeiro no território de um Estado signatário.[2] Sobre esse tema, a Comissão das Comunidades Europeias aprovou uma Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre uma política global da UE contra a corrupção e também o Comitê de Ministros do Conselho Europeu criou, em 1999, o Convênio sobre a luta contra o suborno dos funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais[3]. Em 1993 uma importante organização não-governamental internacional foi criada – Transparência Internacional – com o objetivo de luta por um mundo livre de corrupção.

Entretanto, ainda nesta década, a fragilidade no sistema de controles internos do Banco Barings (1995) e sua consequente falência, vem enaltecer a importância de reforçar os programas de compliance[4]. A criação do Grupo de Egmont de Unidades de Inteligência Financeira, uma rede informal de 164 unidades de inteligência financeira, promove a troca de informações, o recebimento e o tratamento de comunicação suspeitas relacionadas à lavagem de dinheiro provenientes de outros organismos financeiros. Em 1997 foi divulgado pelo Comitê de Basileia um documento contendo 25 princípios para uma supervisão bancária eficaz, que são de especial utilidade para as autoridades verificarem imperfeições na regulamentação e supervisão, estabelecendo prioridades para a reparação.

No Brasil, foi publicada a Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998, alterada pela Lei n.º 12.683, de 9 de julho de 2012, que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens direitos e valores, sobre a prevenção da utilização do sistema financeiro para esses ilícitos e cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). No mesmo ano, o Conselho Monetário Nacional publicou a Resolução n.º 2.554, de 24 de setembro de 1998, que dispõe sobre a implantação e implementação de sistema de controles internos, adotados dos 13 princípios decorrentes da Supervisão pelos Administradores e Cultura/Avaliação de Controles Internos do Comitê da Basileia.

Os escândalos financeiros[5] na falha dos controles internos e fraudes contábeis da Enron (2001), que a levam a decretar a falência e da Worldcom (2002), que a levam à concordata, deixam uma vez mais evidenciada a fragilidade do sistema. Na sequência, em 2002, o Congresso Americano publica o Sarbanes-Oxley Act, que determinou a adoção de melhores práticas contábeis, independência na auditoria e gerenciamento e criação de um comitê de auditoria. O nome foi atribuído em homenagem ao Senador Paul Sarbanes e ao seu representante Micheal Oxley, seus principais arquitetos, e introduziu grandes mudanças na regulamentação da prática financeira e corporativa, nomeadamente no que diz respeito a questões de conformidade.

Um marco relevante, foi a aprovação da Convenção da Organização das Nações Unidas contra a Corrupção (2003), promulgada no Brasil pelo Decreto n.º 5.687, de 31 de janeiro de 2006. É definido como o primeiro diploma legal que visa combater a corrupção a nível global, com um alcance não só jurídico, mas também político.[6] Com 71 artigos, divididos em 8 capítulos, destacamos os mais importantes: prevenção, penalização, recuperação de ativos e cooperação internacional.

Em 2003, o Conselho Monetário Nacional (CMN) do Brasil, por meio do Banco Central, publica a Carta-Circular 3.098, de 11 de junho de 2003, atualmente  revogada pela Carta-Circular 3.409, de 12 de agosto de 2009, que dispõe sobre a obrigatoriedade de registro e comunicação ao BACEN de operações em espécie de depósito, provisionamentos e saques a partir de R$100.000,00 (cem mil reais). No ano seguinte, é divulgada a Resolução n.º 3.198, de 27 de maio de 2004, que regulamenta a auditoria independente e cria o Comitê de Auditoria, à semelhança do que foi publicado pelo Sarbanes-Oxley Act. Em 2006, publica a Resolução n.º 3.380, de 29 de junho de 2006, que dispõe sobre a implementação de estrutura de gerenciamento e risco operacional; e a Circular n.º 3.339, de 22 de dezembro de 2006, atualmente revogada pela Circular n.º 3.461, de 24 de julho de 2009, que define as regras sobre os procedimentos a serem adotados pela Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n.º 9.613, de 3 de março de 1998), nomeadamente procedimentos a serem observados para o acompanhamento das movimentações financeiras de pessoas politicamente expostas. Ainda pelo BACEN, foi divulgada em 2007, a Resolução n.º 3.464, de 26 de junho de 2007, que dispõe sobre a implementação de estrutura de gerenciamento do risco de mercado; o Comunicado n.º 16.137, de 27 de setembro de 2007, que comunica os procedimentos para a implementação da nova estrutura de capital, de acordo com o Acordo de Basileia II, que havia sido publicado em 2004; e a Resolução n.º 3.503, de 26 de outubro de 2007, que dispõe sobre a realização de operações de derivativos no mercado de balão pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas pelo BACEN.

Em 2010, o Reino Unido aprova o UK Bribery Act, com aplicação transnacional, à semelhança do FCPA norte-americano, por ter aplicação a empresas com sede ou representação societária no Reino Unido e a empresas que realizem negócios com parceiros nacionais. Em vários aspetos, ela é considerada mais severa que a sua equivalente – FCPA – e constitui uma referência mundial no tratamento contra a corrupção[7]. Introduziu novidades como a criminalização da pessoa jurídica e a corrupção privada, definindo as condutas típicas, sujeitos, jurisdição, extensão, entre outras coisas. É regida pelos seguintes princípios[8]:

“i) proporcionalidade dos procedimentos de acordo com os riscos, as circunstâncias e a complexidade dos negócios, devendo os mesmos serem claros e acessíveis a todos os colaboradores e fornecedores da empresa;

ii) comprometimento concreto da alta administração da empresa;

iii) avaliação de riscos (risk assessment) de forma periódica e documentada;

iv) procedimentos constantes de due diligence com a finalidade de mitigar riscos relacionados à corrupção;

v) comunicação interna e externa, incluindo treinamentos, a fim de orientar colaboradores e fornecedores sobre riscos e Compliance; e

vi) monitoramento e revisão periódica do Programa de Compliance.”

No judiciário, em 2013 e 2014, respetivamente, foram julgados dois processos altamente impactantes no marco do combate à corrupção: a Ação Penal n.º 470, pelo Supremo Tribunal Federal; e a Operação Lava Jato. O primeiro passo para uma atuação mais atenta da coletividade brasileira sobre o tema de prevenção e combate à corrupção estava dado. Na sequência, foi aprovada a Lei n.º 12.846, de 1 de agosto de 2013 (Lei Anticorrupção), regulamentada posteriormente pelo Decreto n.º 8.420, de 18 de março de 2015. O objetivo é a disposição de responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, dispondo, entre outros aspetos, a previsão de “mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica” (artigo 7.º, VIII) e do acordo de leniência (artigos 16.º e seguintes). Está é considerada a referência de maior relevância aos programas de compliance, que estão avançando terreno significativo no panorama nacional.

REFERÊNCIAS:

BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. In: CARVALHO, André Castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho et al (org). Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

DILLIAN, Jared. Surtando em Wall Street: memórias de um operador do Lehman Brother. Trad. Alexandre Martins. 1.

ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

GIOVANINI, Wagner. Compliance: a excelência na prática. 1.ª Ed. São Paulo: Wagner Giovanini, 2014.

LEESON, Nick. A História do Homem que levou o Banco Barings à Falência. Trad. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Record, 1997.

LEWIS, Michael. O Jogo da Mentira. Trad. Adriana Ceschin Rieche. Rio de Janeiro: Best Business, 2012.

__________ A Jogada do Século. Trad. Adriana Ceschin Rieche. Rio de Janeiro: Best Seller, 2016.

­­­­­­­­­__________ Flash Boys: revolta em Wall Street. Trad. Denise Bottmann. 1.ª Ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

MENDES, Francisco Schertel e CARVALHO, Vinicius Marques. Compliance, Concorrência e Combate à Corrupção. São Paulo: Trevisan Editora, 2017.

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Texto atualizado em: 17/06/2020.


[1] GIOVANINI, Wagner. Compliance: a excelência na prática. 1.ª Ed. São Paulo: Wagner Giovanini, 2014, p. 36 e ss.

[2] GIOVANINI, Wagner. Compliance: a excelência na prática. 1.ª Ed. São Paulo: Wagner Giovanini, 2014, p. 36 e ss.

[3] BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. In: CARVALHO, André Castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho et al (org). Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 42.

[4] Sobre toda a história do banco, consultar LEESON, Nick. A História do Homem que levou o Banco Barings à Falência. Trad. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: Record, 1997.

[5] Sobre os demais escândalos financeiros, consultar DILLIAN, Jared. Surtando em Wall Street: memórias de um operador do Lehman Brother. Trad. Alexandre Martins. 1.

ª Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2014; LEWIS, Michael. O Jogo da Mentira. Trad. Adriana Ceschin Rieche. Rio de Janeiro: Best Business, 2012; do mesmo autor A Jogada do Século. Trad. Adriana Ceschin Rieche. Rio de Janeiro: Best Seller, 2016 e ainda, ­­­­­Flash Boys: revolta em Wall Street. Trad. Denise Bottmann. 1.ª Ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

[6] MENDES, Francisco Schertel e CARVALHO, Vinicius Marques. Compliance, Concorrência e Combate à Corrupção. São Paulo: Trevisan Editora, 2017, p. 12.

[7] BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. In: CARVALHO, André Castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho et al (org). Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 47 e ss.

[8] Op. cit.

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Liliana Santo

Fundadora e Presidente da EduCompliance.