Liliana Santo de Azevedo Rodrigues
Consultora em Compliance, Professora, Advogada
Doutoranda em Ciências Jurídico-Criminais
Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais

Compliance provém da economia e foi introduzido no direito empresarial como um conjunto de esforços, numa dinâmica interdisciplinar, significando a conformidade com normas legais e regulamentares, não necessariamente de origem jurídica[1]. Em simultâneo, tem como um dos seus principais pontos de atuação evitar ou mitigar os riscos inerentes à sua área de atuação visando com isso preservar a imagem da organização perante os seus clientes e sociedade. Apesar de ter uma forte atuação no combate aos crimes e atos fraudulentos ou corruptos, sob pena de sanções administrativas ou até mesmo criminais, a aplicação de um programa de compliance não significa ter uma organização à prova de desvios de conduta ou fraudes. Mas certamente poderá aumentar a sua competitividade no mercado e servirá como uma proteção de integridade e redução de riscos, combate à fraude e corrupção.[2]

 O compliance é visto como uma questão estratégica e pode ser aplicado indistintamente a todos os tipos de organização, dos mais diversos setores: sociedades empresárias e entidades do terceiro setor, entidades públicas, empresas de capital aberto ou fechado, grandes ou pequenas, de todas as regiões do mundo.

Ainda sobre este ponto introdutório, a etimologia da palavra vem do latim complere, que significa a vontade de fazer o que foi solicitado, agir ou estar em concordância com regras e normas. Foram os norte-americanos que pioneiramente utilizaram o termo to comply, para aplicar o cumprimento das normas no setor financeiro. A expressão compliance é utilizada largamente no Brasil, tendo também outras similares, como exemplo a conformidade ou integridade.

Para contextualizar a origem e evolução histórica, iremos criar uma linha temporal relatando os acontecimentos mais importantes que marcaram a sua criação. Em 1913 foi criado o Banco Central Americano (Federal Reserve) com o propósito de implementar um sistema financeiro mais flexível, seguro e estável. Após a Primeira Guerra Mundial e a queda da Bolsa de Nova Iorque, foi criada em 1932 uma política intervencionista norte-americana denominada New Deal, que permitiu a intervenção do Estado na economia para corrigir as distorções de mercado. No período da Segunda Guerra Mundial, foi criado um registro de consultores de investimento – Securities and Exchange Commission (SEC) – e o registro de fundos mútuos – Investment Company Act (1940). Em 1945, nas conferências de Bretton Woods foi criado o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Monetário para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) para promover o desenvolvimento econômico mundial, erradicar a pobreza e financiar os esforços de reconstrução das nações europeias destruídas com a Segunda Guerra Mundial.  A Prudential Securities, um braço dos serviços financeiros, estabeleceu em 1950 a contratação de advogados para acompanhar a legislação e monitorar atividades com valores mobiliários[3]. Mas oficialmente, é na década de 60 que tem início a “Era compliance”. A SEC solicita a contratação de compliance officers para criar procedimentos de controles internos, treinar funcionários e monitorar, com o objetivo de auxiliar áreas de negócios a ter a efetiva supervisão. Em 1974, o caso Watergate deixou o mercado financeiro mundial perplexo com a fragilidade de controles do Governo Americano permitindo o mau uso da máquina político-administrativa para servir a propósitos particulares e ilícitos[4]

Um marco importante na história, com impactos para os programas de compliance atuais, foi a edição pelos Estados Unidos, do Foreing Corrupt Practices Act (FCPA), em 1977.[5] Esta lei federal foi pioneira em todo mundo no que diz respeito a tornar ilegal e punir empresas nacionais por relações mantidas com agentes públicos estrangeiros, em mercados estrangeiros. Decorreu da necessidade de punir a corrupção dentro e fora dos Estados Unidos, com o propósito de evitar uma concorrência desleal e proteger os negócios pátrios, preservando o seu mercado de capitais.[6] Ela estabelece regras claras de competição para empresas norte-americanas no exterior, refere todos os atos de corrupção cometidos por pessoas físicas ou jurídicas, americanas ou não, estabelecidas nos EUA ou listadas na bolsa de valores norte-americana. É aplicada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e pela SEC, que aplicam, respetivamente, penalidades criminais e civis. A lei foi posteriormente alterada, em 1988, elevando o padrão de prova para a descoberta de suborno.

Na década de 80, a atividade de compliance é expandida para as demais atividades financeiras no mercado americano e, em 1988, foi criado o primeiro Acordo de Capital da Basileia que estabeleceu padrões mínimos de capital das instituições financeiras como precaução contra o risco de crédito. Apresentou ainda recomendações sobre as atividades de compliance, por meio de princípios, referindo-se à “Função Compliance” e não a uma estrutura fixa como uma diretoria ou departamento, a saber:

Princípio 1: O Conselho de Administração é responsável por acompanhar o gerenciamento do risco de compliance da instituição financeira. Deve aprovar a política de compliance, inclusive o documento que estabelece uma permanente e efetiva área de Compliance. Pelo menos uma vez ao ano, o Conselho de Administração deve avaliar a efetividade do gerenciamento do risco de compliance.

Princípio 2: A Alta Administração da instituição financeira é responsável pelo gerenciamento do risco de compliance.

Princípio 3: A Alta Administração é responsável por estabelecer e divulgar a política de compliance da instituição, de forma a assegurar que esta está sendo observada. O Conselho de Administração deve ser informado a respeito do gerenciamento do risco de compliance.

Princípio 4: A Alta Administração é responsável por estabelecer uma permanente e efetiva área de Compliance como parte da política de compliance.

Princípio 5: A área de Compliance deve ser independente. Essa independência pressupõe quatro elementos básicos: status formal; existência de um coordenador responsável pelos trabalhos de gerenciamento do risco de compliance; ausência de conflitos de interesse; acesso a informações e pessoas no exercício de suas atribuições.

Princípio 6: A área de Compliance deve ter os recursos necessários ao desempenho de suas responsabilidades de forma eficaz.

Princípio 7: A área de Compliance deve ajudar a Alta Administração no gerenciamento efetivo do risco de compliance, por meio de: a) atualizações e recomendações; b) manuais de compliance para determinadas leis e regulamentos e sua educação; c) identificação e avaliação do risco de compliance, inclusive para novos produtos e atividades; d) responsabilidades estatutárias (combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo); e) implementação do programa de compliance.

Princípio 8: O escopo e a extensão das atividades da área de Compliance deve estar sujeita à revisão periódica por parte da auditoria interna.

Princípio 9: As instituições devem atender a todas exigências legais e regulamentares aplicáveis nas jurisdições em que operam, e a organização e a estrutura da área de Compliance, bem como suas responsabilidades, devem estar de acordo com as regras de cada localidade.

Princípio 10: O compliance deve ser encarado como uma atividade central para o gerenciamento de risco em um banco. Nesse contexto, algumas atividades podem ser terceirizadas, mas devem ficar sob a responsabilidade do “chefe” do compliance.”

REFERÊNCIAS:

BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. In: CARVALHO, André Castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho et al (org). Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

BLOCK, Marcella. Compliance e Governança Corporativa. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2017.

COIMBRA, Marcelo de Aguiar e BINDER, Vanessa Alessi Manzi (org). Manual de Compliance: preservando a boa governança e a integridade das organizações. São Paulo: Atlas, 2010.

.

Texto atualizado em: 17/06/2020.


[1] BLOCK, Marcella. Compliance e Governança Corporativa. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2017, p. 15 e ss.

[2] COIMBRA, Marcelo de Aguiar e BINDER, Vanessa Alessi Manzi (org). Manual de Compliance: preservando a boa governança e a integridade das organizações. São Paulo: Atlas, 2010, p. 1.

[3] BLOCK, Marcella. Compliance e Governança Corporativa. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2017, p. 28.

[4] Op. cit.

[5] BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho. Compliance. In: CARVALHO, André Castro; BERTOCCELLI, Rodrigo de Pinho et al (org). Manual de Compliance. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 42 e ss.

[6] Op. cit.

Categorias: Artigos

Liliana Santo

Fundadora e Presidente da EduCompliance.