Liliana Santo de Azevedo Rodrigues
Consultora em Compliance, Professora, Advogada
Doutoranda em Ciências Jurídico-Criminais
Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais

A corrupção é uma realidade e um problema que deve ser severamente combatido. Devem ser incluídas várias frentes no que diz respeito ao seu tratamento, incluindo não só procedimentos de punição, mas também de prevenção. É nesse sentido que surgem os instrumentos negociais de combate à corrupção, por meio dos quais se permite facilitar as investigações e incentivar um comportamento ético empresarial. O acordo de leniência possibilita uma colaboração de quem tem informações relevantes – de dentro – facilitando a investigação de certos tipos de crimes. Para que o agente seja induzido a divulgar o modus operandi e os agentes envolvidos ele precisa de incentivos como a redução ou isenção da pena. Essa possibilidade cria uma alternativa real aos agentes que estão envolvidos naquela conduta ilícita para cessarem o seu comportamento, gerando instabilidade e insegurança nas reuniões dos envolvidos. Afinal, nunca se sabe quem irá renunciar às negociações colaborando ativamente com a denúncia daqueles crimes.

Os programas de leniência são mais abrangentes que os acordos de leniência que abrangem uma conduta determinada, com agentes específicos. Os programas como um todo devem ser incluídos nas políticas de governo de combate à criminalidade, junto com outras medidas que desincentivem aquelas práticas, como por exemplo a aplicação de sanções severas (fora do acordo), a publicidade dos programas com regras previsíveis e transparentes, os benefícios concedidos e os resultados esperados.

Existem duas espécies de acordos previstos. O acordo de colaboração premiada, ao abrigo da Lei n. º 12.850/2013 – Lei de Organização Criminosa – cuja competência cabe ao Ministério Público (MP) ou Polícia. O Juiz apenas intervém para a homologação, garantindo a sua imparcialidade e, caso o acordo não seja homologado, o juiz não terá acesso à informação para julgar. Isso é uma garantia para aqueles que pretendem participar do acordo, denunciando os demais envolvidos, com respeito ao princípio da não autoincriminação. Nesses casos, a investigação pode ser feita contra a pessoa física, penalmente responsável, e também contra a pessoa jurídica, de competência civil, por exemplo para a aplicação de uma pena de multa.

A outra possibilidade é o acordo de leniência cuja competência cabe apenas no foro administrativo e pode ser realizado em várias hipóteses: através do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), do MP e ao abrigo da Lei n. º 12.846/2013 – Lei Anticorrupção[1]. No primeiro caso, a competência cabe ao Superintendente Geral do CADE, cuja responsabilidade é hierarquicamente equiparada à do Tribunal Administrativo (que irá homologar o acordo ao final da investigação). A ideia é equiparar os órgãos pela sua relevância em todo o processo. Caso o superintendente tivesse o poder de julgar (à semelhança do MP, nos casos de colaboração premiada), se o acordo não fosse celebrado o denunciante não teria a segurança de não ser julgado depois. Verificados os requisitos necessários é importante frisar que existem três tipos de incentivos: i) a isenção total da multa e imunidade penal (para a pessoa física), no caso de denúncia sobre fato inédito; ii) redução parcial da multa e imunidade penal, no caso de denúncia sobre fatos já em investigação; e iii) realização do termo de compromisso de cessação (TCC) para quem denunciou em segundo lugar e não conseguiu o acordo de leniência, mas pretende admitir a sua culpa formalizando uma espécie de acordo antecipado com o pagamento de uma multa com um desconto, evitando outras penalidades e a morosidade de um julgamento. É importante ressalvar que o desconto aplicado nas multas, será proporcional à relevância dos fatos. Assim, se a denúncia é contra fato inédito, o desconto será maior; se a denúncia foi realizada, mas em segundo lugar, mostrando a vontade de colaborar com a justiça, o desconto será menor. A ideia é aplicar incentivos de acordo com a relevância dos fatos e beneficiar o infrator que colabora com as autoridades para a descoberta da verdade.

Por fim, existe ainda a possibilidade de realizar um outro tido de acordo de leniência – o acordo de leniência plus. Nestes casos, aplicam-se as regras do acordo de leniência a quem tentou denunciar uma prática ilícita, mas não o conseguiu fazer em primeiro lugar, não obtendo por isso o acordo. Porém, na sequência, decide denunciar uma outra conduta, inédita, cujas autoridades não estão ainda investigando, beneficiando nesse caso de uma redução da pena de multa até um terço no TCC do primeiro acordo (aquele que não foi homologado anteriormente) e isenção penal neste último.

Após a Lava Jato estes instrumentos têm sofrido alterações que beneficiam as autoridades na investigação, agilizando por exemplo procedimentos de colaboração entre elas. Lembrando que se a autoridade x está a investigar, é possível que a autoridade y o faça também. Daí a relevância da cooperação entre elas,  a exemplo da Portaria Conjunta n. º 4/2019, de 9 de agosto de 2019, celebrada entre a CGU e AGU e do Acordo de Cooperação Técnica, celebrado na passada quinta feira, dia 6 de agosto, entre o MPF, CGU, AGU, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e TCU.


[1] Nestes casos, a competência cabe ao órgão executivo máximo, concentrado na CGU e a punição é restrita à pessoa jurídica no foro civil ou administrativo. Os benefícios são menores, não há isenção total da pena de multa o que nem sempre incentiva a participação pessoa jurídica.

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Liliana Santo

Fundadora e Presidente da EduCompliance.