Liliana Santo de Azevedo Rodrigues
Consultora em Compliance, Professora, Advogada
Doutoranda em Ciências Jurídico-Criminais
Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais

Fibromialgia é uma síndrome dolorosa crônica que causa dor difusa no corpo, entre outros sintomas. Não é classificada como doença por ter a sua origem ainda desconhecida, motivo pelo qual não pode ser assim considerada. Estima-se que 4% da população mundial seja acometido por FM, sendo as mulheres as mais afetadas (9 a cada 10 pacientes são do sexo feminino). A idade mais predominante pode variar entre os 30 e 60 anos, apesar de relatos com outras idades, incluindo crianças.

Neste texto, eu pretendo unir meu lado profissional com a minha vida pessoal. Reuni assim algumas informações relevantes a respeito da fibromialgia, como sendo uma espécie de guia de compliance, de orientações a saber e seguir para auxiliar os pacientes – como eu – que sofrem com a “doença” e sobretudo a falta de informação a seu respeito. Não sou médica ou sequer especialista da área, mas sofro com os sintomas, o preconceito e sobretudo a falta de informação que existe ainda na comunidade como um todo, incluindo a médica.

A FM é reconhecida desde 2004 pela Organização Mundial de Saúde através da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, na sua décima revisão, com o código individualizado CID 10 M79.7.  A primeira edição data de 1893 e a sua criação teve o propósito de possibilitar a comparação internacional da coleta, processamento, classificação e apresentação das estatísticas relacionadas à morbilidade e mortalidade. Significa possibilitar o cálculo de portadores de uma determinada doença ou número de mortes, em relação à população total estudada, em determinado local e determinado momento. A décima revisão teve início em 1992 com o propósito de rastrear estatísticas de mortalidade e atualmente está em estudo a décima primeira revisão – CID-11 – desde junho de 2018, com a entrada em vigor prevista para o ano de 2022.

No Brasil, vários projetos em andamento incluem o doente portador dessa síndrome. A exemplo, o Projeto de Lei n.º 3.010/2019 institui o dia nacional de conscientização e enfrentamento à fibromialgia – dia 12 de maio. O Projeto de Lei n.º 4.399/2019, primeiro projeto oriundo de uma sugestão legislativa encaminhada por meio do Portal e-Cidadania, que está a aguardar a votação na Câmara dos Deputados, prevê que os trabalhadores com FM possam ser dispensados dos prazos de carência para acesso ao auxílio-doença e à aposentadoria por invalidez pelo INSS.  Também o Projeto de Lei n.º 3.010/2019 define uma Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Fibromialgia. Entre outros, estão previstos o atendimento multidisciplinar, a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com FM, a disseminação de informações relativas a esta síndrome, o incentivo à formação e capacitação de profissionais especializados ao paciente e seus familiares, o estímulo à inserção da pessoa com fibromialgia no mercado de trabalho, o estímulo à pesquisa científica para dimensionar a magnitude e características da FM no Brasil. Após um intenso debate sobre o tema, foi aprovada a Lei Estadual n.º 10.687, de 11 de fevereiro de 2020, à semelhança do que foi definido em outros Estados, que instituiu o atendimento prioritário em filas e vagas de estacionamento às pessoas com fibromialgia. Na ocasião da audiência pública, realizada em novembro de 2019, que eu tive a honra de participar, foram debatidos vários obstáculos pelos quais passamos diariamente. Sublinho aqui a relevância do apoio de órgãos como a Comissão de Direito à Saúde da OAB/RN, presidida pelo Dr. Renato Dumaresq, o Ministério Público e a Defensoria para obtenção de orientação a fim de agir sempre que os direitos destes cidadãos sejam negados ou violados. Uma ação positiva divulgada, na ocasião, foi o serviço de terapia complementar, especializado para pacientes que sofrem de doenças crônicas, com o apoio de médicos acupunturistas e de uma psicóloga, oferecido pela Secretaria Municipal de Saúde (Natal). Também em vigor no município de Natal, foi promulgada a Lei n.º 7.022 de 18 de março de 2020 que institui o dia municipal de fibromialgia, filas preferenciais e vagas de estacionamento preferencial para pessoas acometidas por fibromialgia.

Após essa pequena contextualização teórica, segue uma visão mais prática sobre o impacto que a síndrome apresenta na qualidade de vida dos pacientes. Primeiramente, é importante ressaltar que se trata de uma doença séria pela variedade, gravidade e persistência dos sintomas. A qualidade de vida dos pacientes é afetada drasticamente, muitas vezes sem um diagnóstico preciso e com muita insegurança no que diz respeito ao tratamento a seguir. Tudo começa com a dificuldade no diagnóstico, normalmente superada após o descarte de inúmeras outras enfermidades pela avaliação clínica (e.g., artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, hipotireoidismo e síndrome dolorosa miofascial). Isso ocorre porque inexistem exames específicos (laboratoriais ou de imagem) de fácil acessibilidade que demonstrem uma alteração no organismo e permitam um diagnóstico mais rápido e preciso. Sobra apenas, como alternativa, testar e afastar todas as outra hipóteses para, ao final, confiar no exame físico feito com o paciente e a partir de seus relatos, conforme as características específicas da FM. Assim, sempre é necessário recorrer a uma segunda – ou terceira – opinião até sentir segurança e confiança no resultado.

Para a dor ser considerada crônica, ela precisa persistir há pelo menos três meses e não ter causa aparente. Isto é, não há nada de errado com o nosso corpo, apenas uma informação “mal processada” pelo sistema nervoso. Por esse motivo, a literatura médica tem defendido a tese de se tratar de um problema de foro neurológico ao invés da tradicional associação a doenças reumáticas.

Considerando que o sistema nervoso é responsável pela coordenação de nossos sentidos, músculos e órgãos, circulação sanguínea, respiração e todos os nossos movimentos involuntários, a questão que se coloca é a seguinte: se o sistema nervoso recupera todo o corpo, quem recupera o sistema nervoso? Ele é responsável por todo o nosso corpo, incluindo a dor. Com essa disfunção nos nervos, durante a captação das informações nocivas, o cérebro processa a dor de forma equivocada. E, se existe uma falha no momento de processar a dor, quanto ao local e intensidade, o nosso cérebro interpreta dor permanente e difusa por vários locais do corpo. Tentando simplificar ainda mais, o cérebro perde a noção se o nosso corpo está ou não afetado e comunica a reação de dor de qualquer jeito e em qualquer lugar do nosso corpo.

Mas o problema da FM não se prende apenas a esse sintoma. Como falei antes, trata-se de uma condição grave que afeta seriamente a qualidade de vida e, ao longo dos anos, diversos outros sintomas estão associados: fadiga extrema; fraqueza desproporcional à atividade praticada; distúrbios de sono ou problemas para atingir o sono reparador, motivo pelo qual muitas vezes acordamos cansados, apesar de dormir várias horas seguidas; dores de cabeça frequentes; dificuldades cognitivas como falha na concentração ou memória; problemas intestinais; formigamento e dormência no corpo, entre outros. Existem ainda as comorbidades, ou seja, outras doenças específicas que podem surgir em decorrência da fibromialgia. Por exemplo, enxaquecas, ansiedade e depressão.

Uma outra questão que não posso deixar de sublinhar é a falta de informação e acessibilidade por parte dos profissionais que nos ajudam nessa luta. É necessário um longo percurso de exames e consultas para descartar outras doenças cujos sintomas são semelhantes, exigindo a avaliação de profissionais de várias especialidades. E, nesse périplo, não é rara a falta de informações sobre a FM.

Por vezes, alguns profissionais tendem a associar nossa dor com “coisas da nossa cabeça” ou a tratarem como uma “dor da alma”, possível de ser curada quando fizermos meditação ou “encontrarmos a nossa paz interior”. Não é algo inventado ou da nossa cabeça. É real e esta informação é preciosa para pacientes e médicos, evitando a angústia de não saber a causa das crônicas dores e limitações impostas pela Fibromialgia.

O quadro é bastante complexo. Sentir, frequentemente, dor forte por todo corpo, formigamento, cansaço (mesmo após uma noite de sono), confusão mental (fibrofog), entre outros sintomas, dá para desestruturar qualquer fortaleza emocional

Assim, ponderar a FM como uma causa possível do quadro clínico, desde o princípio, permite um tratamento medicamentoso preciso e uma mudança gradual para hábitos mais saudáveis (sem contraindicações), humanizando a relação com o paciente e, também, com sua família e amigos, afinal, tantas vezes, está em nós a dúvida e a instabilidade emocional de não aceitar uma doença tão mal compreendida, afetando os que estão a nossa volta. Com ou sem esse amparo, é fundamental que façamos nossa pesquisa por conta própria. Ler e investigar a respeito, na literatura nacional e estrangeira, é indispensável para formar um autoconvencimento e romper com alguns estigmas, porquanto se tornam acessíveis informações preciosas sobre o que acontece com nosso corpo e mente, inclusive a partir de relatos de pessoas diagnosticadas e de outros profissionais e familiares, que, de alguma forma, convivem com a síndrome.

Igualmente importante é insistir no diagnóstico. Seja ele de FM ou de outra síndrome/doença. Temos o direito de saber o que nos causa desconforto e procurar a cura correspondente, ou, no caso, uma melhora dos sintomas.

Considerando esta abordagem introdutória mais técnica (apesar da falta de rigor médico) e a minha experiência pessoal com a síndrome, identificarei 5 formas de tratamento que se complementam e podem melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

1.Tratamento medicamentoso

Alguns pacientes não usam qualquer remédio e conseguem ter as crises estabilizadas por outros meios. Mas alguns remédios, a exemplo de antidepressivos, anticonvulsionantes, ansiolíticos e analgésicos de segundo grau, ou seja, aqueles derivados da morfina, podem ajudar no tratamento complementar. Seja por regularem a deficiência no processamento da dor que sentimos, explicada antes, seja por ajudarem nosso corpo a relaxar e dormir (uma característica é estarmos constantemente tensos). Até mesmo se o efeito consistir em mero alívio da dor, é importante aceitar esses benefícios que os fármacos trazem, evitando que o problema se agrave. A depender do paciente, e aqui é importante que sejamos “nossos próprios médicos”, faz bem registrar aquilo que nos faz melhor, qual remédio, de qual marca, em qual dose. Embora desgastante, é importante esse zelo. Depois do diagnóstico, inicia a luta, por várias frentes, na melhor solução para atenuar os sintomas.

2. Psicoterapia

O suporte emocional não significa que seja apenas para os “loucos” ou que sofrem de depressão. Existe um estigma negativo em torno dessas terapias, bem como dessas enfermidades psiquiátricas. Reitero que sentir dor em todas as partes do corpo e todos os dias, entre vários outros sintomas, desestabiliza qualquer ser humano. A terapia não vai diminuir a nossa dor justamente porque não se trata de um “problema da alma”, mas vai ajudar a lidar com ela, criar mecanismos de defesa, conhecer nosso corpo e nossa rotina e identificar os gatilhos que causam momentos de crise. Esse trabalho e conhecimento vão ajudar – e muito – na forma como encaramos a fibromialgia.

3. Qualidade do sono

Se o sono reparador é importante para o bem-estar de qualquer pessoa, imagine sua importância no corpo (e mente) de um portador de FM que vive em constante tensão, com dor e fadiga extremas. Ter rotinas certas para dormir e acordar e descansar ao longo do dia, bem como recorrer a ansiolíticos, se necessário for, é talvez o principal diferencial que nos faz aguentar os afazeres diários. Não se deve, em caso algum, descuidar do nosso descanso.

4. Exercício físico

O sedentarismo faz as pessoas ter menos energia, serem mais sensíveis e, consequentemente, mais susceptíveis à dor. Alguém sedentário e com fibromialgia ficaria ainda mais exposto a todos os sintomas e fraquezas da síndrome. É importante praticar atividade física regular não só para evitar esses malefícios mas para combater a intensidade da dor crônica. Mas não é só. O cérebro e sistema nervoso processam a dor sem motivo aparente e diminuem o mecanismo de inibição que combate e reduz o quadro doloroso. Com a atividade física, haverá um aumento dos neurotransmissores e hormônios responsáveis pelo controle da dor. Resta saber qual atividade física praticar. Interessante que seja com ajuda de um preparador físico, de um fisioterapeuta. Se, por conta própria, atividades leves a exemplo de uma caminhada ou algum outro exercício prazeroso ajuda bastante. No início, será extremamente doloroso, sofrido, vai gerar mais dor, mais cansaço e a energia já é tão pouca. Mas, com o tempo, os benefícios serão sentidos. É importante começar, aumentar o ritmo de acordo com a nossa resistência e persistir.

5. Alimentação

Ter uma alimentação equilibrada faz parte do senso comum para todos nós. Ela aumenta nossa energia, fortalece nosso sistema imunológico, reforça nossa capacidade cognitiva, entre outros. E nada melhor do que ter uma “fórmula mágica” capaz de nos dar esse upgrade que tanto precisamos.

Não existe fórmula mágica para melhorar a qualidade de vida de repente. No entanto, há o que ser feito embora a FM não tenha cura. Em suma, cuidar, estudar, lutar, persistir e nunca desistir.

Com esse mote, insisto que os profissionais de saúde e as organizações em que atuam, sejam na condição de dirigentes ou de colaboradores, tomem uma postura preventiva e não reativa quanto ao tema.

Cientes das características da síndrome, adotar protocolos multidisciplinares diante de distúrbios supostamente reumáticos ou neurológicos pode antecipar o diagnóstico e encurtar sucessivos exames e consultas a especialistas, que podem, muitas vezes, ser abreviados mediante prescrições de exames mais abrangentes desde as primeiras consultas. Estabelecer tais protocolos e segui-los em prol do bem estar dos pacientes é agir em conformidade, observando a tríade do compliance: estudo, planejamento e prevenção de riscos ou danos.

Texto atualizado em: 11/06/2020.

Categorias: Artigos

Liliana Santo

Fundadora e Presidente da EduCompliance.